A trajetória do negro no audiovisual e suas implicações | Papo de Cinema
Ainda meio aéreo e muito reflexivo sobre tudo o que
vem acontecendo, e a proporção de como os protestos vem crescendo, venho por
meio desse parágrafo me expressar, pois, entendo os meus privilégios como uma
pessoa branca, e se tem algo que eu posso fazer é indicar e disseminar a
cultura negra, uma cultura tão rica em ritmos, danças, filmes e séries. Ao
pensar sobre o tema do título decidi fazer uma reflexão global sobre o
audiovisual e toda a luta do negro, mas não deixar somente isso e reforçar suas
conquistas. Ao ler e pesquisar e debruçar sobre o tema proposto me surpreendi
pelas lutas e também pelas vitórias, algo que deve ser mais levado em conta. Sem
mais delongas, vamos lá.
Primeiro de tudo vamos definir alguns o conceito de
raça, segundo o sociólogo Anthonny Giddens, a raça pode ser entendida
com um conjunto de reações sociais que permite que os indivíduos sejam
classificados, por atributos ou competências com base em sua característica
biológica. As formas de distinção raciais acontecem devido a reproduções de
poder e desigualdade na sociedade. Desde muito cedo, o negro nunca teve papéis
importante no audiovisual e até ele se consolidar no meio, foi uma luta muito
grande, em que exigia um esforço maior.
Para abrir um pouco o tema, vamos começar com Hattie
Mcdaniel, caçula de 13 filhos, filha de um casal de escravos que tinha
acabado de ser libertos e chegado no Kansas para fugir da extrema pobreza.
Juntou com dois de seus irmãos um grupo de vandeville, uma espécie de teatro
regado a música e muita confusão no enredo no qual se destacou. Após a crise de
1929 foi para Milwaukee, no hotel Sububirbian, em que conseguiu um emprego de
assistente de banheiro feminino. Um dia no hotel, após a saída dos artistas, o
gerente do local pediu que alguém voluntário subisse no palco e cantasse,
Mcdaniel subiu e encantou, ficou dois anos protagonizando o espetáculo do hotel
e não teve mais que lavar o banheiro. Em 1934, Hollywood ainda não entregava
papéis relevantes a negros eram somente cargos de garçons, motoristas e empregados,
não demorou muito para o produtor John Ford ficar de olho em Hattie
e aproveitar o seu jeito sarcástico e atrevida para levar para o cinema,
estrelando em um clássico do cinema, E o Vento Levou, em que interpretou
Mammy, a empregada e fiel escudeira de Scarlet’O Hara(Vivian Leigh),
a única que conseguia domar a filha de sua patroa, interpretando Mammy,
apesar de ainda cair no estereótipo de papéis com pouca importância como o
caso de retratar uma empregada, ainda conseguindo ganhar destaque no filme,
mesmo com um papel irrelevante. Em 1940, ocorreu a tradicional cerimônia do
Oscar e Hattie conseguiu um feito histórico, levar a estatueta, de
melhor atriz coadjuvante, porém nem tudo são flores, Selznick um dos
maiores produtores de Hollywood da época teve que pedir autorização para Hattie
entrar no teatro e ainda teve que ficar em uma mesa ao fundo, longe do elenco,
mas vale ressaltar o feito da primeira atriz a ganhar o Oscar, acho isso muito
válido, é muito triste em saber que ela não participou da cerimônia de maneira
normal como todos, mas levou um Oscar para a casa.
Vamos relembrar alguns Oscar famosos por atrizes e
atores negros que chamaram a atenção em seu papel. Na categoria “Melhor Atriz”,
somente Halle Berry se destacou em “A Última Ceia”, em 2005. Na
categoria “Melhor Ator” vários nomes se destacaram como Denzel Washigton,
em 2002, por “Dia de Treinamento”, Jamie Foxx por “Ray” em 2005 e Forest
Whitekar por o “O Último Rei da Escócia”.
Na teledramaturgia podemos ver como atores e atrizes
negros começaram a ganhar protagonismo de um tempo pra cá, como exemplo a
atriz Taís Araújo em que viveu a primeira protagonista negra em Da
Cor do Pecado, e vale relembrar que Preta, foi uma mocinha empoderada,
cheia de atitude, mesmo em meio a atitudes racistas e preconceituosas de Barbara
(Giovanna Antoneli), como muitas vezes chamava Raí (Sergio
Malheiros), filho de Preta, de neguinho. Interessante notar que
enquanto uma protagonista negra ganha força, a sociedade branca reage de
maneira racista, Barbara é o estereótipo mais crível de uma sociedade que julga
apenas pela cor, sem nem se importar com o próximo, Preta e Raí
tinham muitas qualidades como saber ouvir, o companheirismo, afetuosos, mas a
vilã só julgava por sua cor e por representar uma ameaça do seus planos. A
atriz chamou atenção na condução da personagem, Preta conseguia ficar no
drama e segurar a sua personagem com leveza, desde então Taís Araújo,
uma incrível atriz que soube se transformar em cada papel, se em Da Cor do
Pecado temos uma moça humilde e pobre, em 2020 é possível ver o contrário
em Amor de Mãe, novela de Manuela Dias, a esposa de Lázaro
Ramos, interpreta Vitória, uma advogada rica e bem de vida que
perdeu um filho na barriga, porém o que ficou foi o desejo de ser mãe. Durante
a trama vimos uma cena em que Tiago, o filho adotivo de Vitória é
confundido com um bandido por estar com seu pai adotivo, Raul (Murilo
Benício), em um shopping. A cena realmente trouxe todo impacto do que é o
racismo. A atriz também é muito famosa e já palestrou temas relacionados
ao racismo. Em uma de suas palestras, ela comenta que seu filho jamais vai
poder andar na rua com um boné, uma roupa de time, um andar adolescente sujo
por ter jogado futebol e descalço, sem correr o risco de levar uma investida
pesada da polícia ao ser confundido com um bandido e também fala da preocupação
com sua filha, por ser mulher e negra, e que segundo os dados de 2015 sobre a
violência no Brasil, o número de feminicídio contra as mulheres negras teve um
aumento de 54,8%, e comenta estar apavorada com isso.
Na indústria fonográfica também mulheres negras
também tiveram que lutar muito para chegar ao seu espaço e que mesmo
consolidada já sofreu ataques racistas. Vamos falar um pouco de uma cantora lá
de Barbados que foi descoberta por Jay-Z e hoje consolidou seu império
não só na música, mas também na moda, Rihanna, a sua trajetória começa quando
aos 9 anos cantou em escola que frequentava, aos 15 anos foi descoberta pelo
produtor Evan Rogers que passava férias em Barbados, que em sua primeira
audição cantando Mariah Carrey foi sucesso já garantindo o contrato com
a Def Jam Records. Desde então foi só sucesso, Riri de Barbados
foi só sucesso, vamos pegar algumas vitórias para enaltecer o trabalho de Rihanna.
Considerada a 4º cantora com mais vendas na
história com 35 milhões de álbuns vendidos, já levou 9 Gremmys, o prêmio
considerado o Oscar da música, a primeira mulher negra a posar para a DIOR, uma
importante revista de Cristian Dior no ramo da moda. Muitas conquistas que Rihanna
já teve e isso ainda lhe implicou em diversas situações que teve que lutar
contra o racismo, a primeira foi em um hotel em Portugal que a diva do pop
encontrou com uma pessoa que falou que as mulheres negras eram prostitutas e
cadelas, mas Riri de Barbados não ficou calada e respondeu com sotaque de sua
terra natal a altura do que a pessoa merecia.
Outro fenômeno na indústria da música é Iza,
sucesso aos seus 27 anos, e hoje é referência para muitas mulheres negras,
conquistou o palco Sunset no Rock in Rio 2019, mas mesmo em meio ao sucesso,
reconhece que já sofreu ataques racistas como apelido de “churrasquinho”. Em uma
de suas entrevistas, durante o “Arquivo Confidencial” no “Domingão do Faustão”
a cantora entende o seu papel e comenta; “Por conta da minha profissão
hoje, acho que essa questão do assédio, do preconceito e do racismo fica
velada, mas não some. As pessoas têm aquele receio de se expressar da forma
como elas gostariam. Mas sei que, se isso não acontecer comigo, não significa
que o racismo acabou. A gente ainda tem muita coisa para fazer.”
É interessante ver como os negros estão ganhando
mais espaço, ainda que lentamente, o negro está conseguindo a ser protagonista
de sua própria história, como a Iza, Rihanna, Beyonce, Taís
Araujo, estão ganhando a notoriedade merecida e saindo de papéis
secundários. Sei que nos gráficos ao pé da letra, ainda é muito pouco e nós
como sociedade temos que ser abertos a receber e a consumir mais dessa cultura
tão rica seja por músicas, como o jazz, blues, funk e os filmes e novelas, em
que negros deixam de ser apenas papéis irrelevantes e passam a ganhar mais
visibilidade.
Encerro esse texto apenas
refletindo com tudo o que vi por aqui e com uma reflexão, principalmente as
pessoas que tem privilégios, hoje a forma de se lutar contra o racismo é reconhecendo
o privilégio, mas nem por conta disso, se acomodar, ouvir, ver, conversar com
negros e entender mais a sua realidade ainda que não passamos na pele isso, mas
de alguma forma se mostrar aberto, desde as pequenas coisas como indicar um
negro para uma vaga, porque não dar uma oportunidade para um negro? Vidas
negras importam sim!!!
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